Mau tempo no Canal
Imagem via Sapo24.
É complicado expressar por imagens o que significa o mar para um ilhéu. Nascer e crescer numa ilha, tendo o mar por horizonte, torna-o presença omnipresente na nossa vida, à qual já nem ligámos, por tão habituados que estamos a ele.
Ele serve para compor a paisagem, e vai mudando consoante o tempo: ora mais azul e sereno, ora mais cinzento e agreste. Mas serviu e serve para nos levar mais longe - foi através dele que os meus antepassados chegaram às ilhas, mas também foi através dele que partiram, rumo às Américas e a uma desejada vida melhor.
É também através dele que as ilhas vizinhas se tornam mais próximas e mais reais - em viagens de barco, que se fazem mais no verão, é certo, mas, que, no inverno, se tornam, muitas vezes, a única forma de nos levar ao trabalho, à família, à consulta médica, ao hospital...
Nas ilhas do triângulo (Pico, Faial e São Jorge), essa realidade é o pão nosso de cada dia. Vai-se para o Pico ou para o Faial como quem vai para a margem sul, com a diferença de que a profundidade, as correntes e o vento tornam, muitas vezes, as viagens verdadeiras odisseias, mesmo em pleno verão.
Tendo familiares no Pico e no Faial, comecei a fazer a travessia do canal ainda bebé. Um pouco mais crescida, lembro duma vez em que fiz a viagem com a minha avó (creio que era inverno) e que cheguei ao Pico verde, e com vontade de vomitar - o que acabou por acontecer...
Numa outra vez, com os meus pais e irmão, recordo-me de ter passado grande parte da viagem a vomitar por cima da Barbie que segurava na mão, enquanto que o meu pai optou por ir para a rua, onde ele e vários passageiros vomitavam também.
São episódios que agora me fazem sorrir, mas que em nada se assemelham ao ocorrido este sábado, já "às portas" da Madalena, como o Navio Mestre Simão, que ligava Horta e aquela vila da ilha do Pico.
Infelizmente, as ondas não permitiram que o barco fizesse a entrada normal no Porto da Madalena, e este acabou por embater nas rochas, aí ficando.
Depois do barco embater, tudo começou a piorar. O relato, na primeira pessoa, de Joana Maciel (enfermeira do Pico a trabalhar no Faial), tem tanto de assustador como de belo, pelo fim que teve para aquelas quase 70 pessoas, incluindo um bebé de um mês - o primeiro a sair da balsa de salvamento, amparado por um bombeiro.
Efetivamente, nem tudo nos Açores passa por paisagens bonitas, prados verdejantes, vaquinhas felizes e mar a perder de vista. Este mar que tanto nos deu e nos dá, também prega as suas partidas e, por vezes, ceifa vidas. Ainda bem que, desta vez, tudo acabou bem...