Bijagós e um quase naufrágio que correu bem
O arquipélago dos Bijagós é, muito provavelmente, dos locais mais bonitos e paradisíacos onde já estive no mundo. Fica na Guiné-Bissau e é composto por muitas ilhas, algumas povoadas, e outras não, sendo desconhecido de muita gente.
A verdade é que fica pertinho de nós (à distância de uma viagem de avião de 4 horas e de outra, mais curta, de barco) e tem tanto para oferecer. Para terem uma ideia, numa das ilhas, a maior (Orango) até há hipopótamos - mas são difíceis de avistar (eu estive nesta ilha algumas vezes e nunca os vi)...
Mas há também muitas aves, flamingos inclusivamente, tartarugas, peixes enormes e, claro, praias desertas a perder de vista, com águas tépidas (não transparentes, mas muito agradáveis).
E porque me fui lembrar dos Bijagós? Porque, este fim de semana, à conversa em família, veio-me à memória aventuras por terras africanas, incluindo um episódio de uma viagem que correu mal e que me levou a ficar horas num barco de madeira, de seu nome Bragança, com água a entrar e um motor avariado.
Estive a contar a aventura, tentando que a memória não me traísse e, depois, fui encontrá-la num blog (já desactivado) de uma ex-colega e grande amiga, a Ana. Curiosamente, ou não, há factos que já estava a deturpar com o meu relato oral - e que só percebi que o estava a fazer depois de reler a Ana. De facto, quem conta um conto, acrescenta um ponto... Mas o que interessa é que a maior parte do que contei estava correta e correspondia, na íntegra, ao que se passou.
Em traços gerais, o que devia ter sido uma viagem de barco de uma hora, no máximo, logo pela fresca, para nos levar de Bissau a Bolama (uma das principais ilhas dos Bijagós, que foi, no passado, a capital da Guiné), transformou-se numa aventura de quase 12 horas, numa piroga de madeira, que deixava entrar água, e cujo motor falhou pouco depois de sair de Bissau, entre o continente africano e a dita ilha.
Fomos salvos por uma questão de sorte - conseguimos, por segundos, e já a meio da tarde, um pouco de rede de telemóvel, que nos permitiu ligar para um colega guineense, que, por sua vez, ligou para um colega da Embaixada Portuguesa, que conseguiu arranjar um barco para nos ir buscar.
Convém perceber que eu era a única que levava bolachas e alguma água. Os meus colegas não tinham levado comida e ia, inclusivamente, entre nós, uma guineense grávida, que passou aquelas horas todas sentada, sem casa de banho, comida ou bebida a não ser aquela que lhe ofereci (e que ela acabou por aceitar a custo).
Foram horas de nervoso miudinho, entre preocupação e excitação. Não tememos pela vida, é certo, porque estávamos entre terra, estrategicamente situados ao lado de uma terra virgem e difícil de desbravar, e de umas areias movediças, muito pouco agradáveis. Mas estávamos ao lado de terra e, por isso, a preocupação era relativa...
E o que era para ter sido uma viagem de ida e volta a Bolama acabou por se transformar numa viagem longa com dormida incluída, numa casa que, não estando preparada para nos receber, serviu aceitavelmente por uma noite (leiam descrição da Ana sobre a casa e o quarto que partilhamos nessa noite).
Dizem que há males que vêm por bem, e eu acredito nisso. Se assim não fosse, não teríamos tido tempo para, na manhã seguinte, visitar com calma a cidade fantasma de Bolama, com quase todo os seus edifícios em ruínas... Alguns desses edifícios, como o que fora, outrora, o Hotel mais famoso da cidade, jazia entre muita vegetação, com apenas uma parte da fachada no ar...
A sensação de passear por uma cidade assim é, no mínimo, estranha. Lembro-me das cabras que saiam dos edifícios, das pulgas que encontramos num deles, onde, supostamente, existiam frescos nos tetos, que nunca descobrimos, na Igreja sem teto e só com paredes. Uma sensação estranha, que mais estranha se torna quando vemos e lemos relatos do que a cidade foi, um dia, e pensamos no que se tornou...
No final, e antes do regresso a Bissau, já num barco em condições, deu tempo para ver o "nosso" Bragança completamente afundado no porto e para dar um mergulho na (outrora) famosa praia de Ofir - de águas claras e quentinhas. Soube-me pela vida o mergulho!
Foi, sem dúvida, uma experiência memorável, que guardo para a vida. África é feita de experiências destas, que nos dão uma paciência infinita e nos moldam para o futuro. Foi por esta aventura e por tantas outras, que acabei por chegar a Portugal bem diferente de quando parti...
Quanto aos detalhes da viagem? Estão todos no texto da Ana, que podem encontrar no AFRIC-ANA.
(As fotos são de Orango - a tal ilha dos Hipopótamos, onde passei alguns Carnavais e uma aventura do género, mas bem mais emocionante. Um dia conto, se quiserem...)